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Como a migração impulsionou o boom evangélico

Estudo mostra que movimentos migratórios internos impulsionaram o crescimento evangélico. Modelo do templo de esquina venceu porque era mais barato e escalável, não necessariamente porque era mais compassivo

Artigo escrito por Raphael Corbi, Fábio Miessi e Tiago Ferraz

Não foi a pobreza que encheu os templos evangélicos nas metrópoles brasileiras, foram os próprios templos. Entre 1980 e 2022, a fatia de brasileiros que se declaram evangélicos mais que quadruplicou, enquanto o catolicismo encolheu ao menor nível histórico. Muita gente atribui essa transformação ao êxodo rural: milhões de brasileiros deixaram pequenas cidades rumo às metrópoles e, pobres e deslocados, teriam encontrado acolhida nas igrejas evangélicas. Mas os dados sugerem que a história é mais complexa.

Em estudo recente, usamos choques nos preços internacionais de commodities agrícolas para identificar fluxos migratórios que nada tiveram a ver com dinâmicas que afetavam escolhas religiosas das populações no destino. Quando a renda caía em regiões produtoras de banana, cacau, milho ou outras commodities, trabalhadores migravam em massa para cidades guiados por redes de contato estabelecidas (outros migrantes das mesmas áreas já morando nas grandes cidades).

Com base nesses fluxos buscamos isolar o efeito causal da migração em religião. O importante aqui é olhar para a migração não do ponto de vista do indivíduo que migra, mas como uma massa, um choque econômico que alterou a paisagem das cidades de destino, afetando de várias formas toda a população local.

O que encontramos é claro: nas cidades que receberam mais migrantes, a população residente tornou-se proporcionalmente mais evangélica e menos católica. Estimamos que a migração explique cerca de um quarto do crescimento evangélico observado entre 1980 e 2010. Não é pouco.

Por que isso aconteceu? Testamos duas hipóteses. A primeira é a de que a chegada de migrantes deprimiu a renda local, e condições de vida piores aumentaram a procura por igrejas evangélicas –que, segundo parte da literatura, estão mais preparadas para acolhimento de vulneráveis. Mas o que achamos é que a demanda por denominações evangélicas não parece tão sensível a variações na renda. Esse efeito –migração reduz renda média e leva ao aumento da procura por igrejas evangélicas– existia, mas foi pequeno demais para explicar a transformação.

A segunda hipótese é a da oferta. Mostramos que, à medida que as cidades cresciam, os evangélicos respondiam multiplicando templos com rapidez. A Igreja Católica, por sua vez, não acompanhou. E aqui está o ponto crucial: um templo evangélico não é apenas um espaço físico, mas um centro de proselitismo ativo. Cada nova igreja ampliava a capacidade de atrair fiéis, algo que a estrutura mais cara e lenta do catolicismo não conseguiu replicar.

A imagem mostra uma grande multidão participando de uma manifestação. As pessoas estão vestidas em sua maioria com camisetas escuras e algumas seguram bandeiras, incluindo uma bandeira de Israel. O ambiente é ao ar livre, com árvores e um céu claro ao fundo. A multidão parece estar unida e engajada em um evento significativo.

Público durante a Marcha para Jesus de 2025, na avenida Tiradentes, em São Paulo – Folhapress

Parte importante do crescimento evangélico induzido pela migração, portanto, não foi fruto da pobreza dos migrantes ou dos seus impactos sobre a renda dos nativos. Foi consequência da flexibilidade e do baixo custo de expansão das igrejas evangélicas, que lhes permitiram ocupar rapidamente o espaço criado pelo crescimento acelerado das cidades.

Talvez a implicação mais provocadora desses resultados esteja em como interpretamos o papel social do movimento evangélico. Muitos trabalhos apresentam o crescimento evangélico como benéfico para os desassistidos. Os evangélicos oferecem comunidade, esperança e apoio prático a quem foi abandonado pelo Estado. Nesse quesito, as igrejas evangélicas seriam mais eficientes do que a católica. O crescimento evangélico viria daí.

Nossos dados sugerem uma leitura diferente: as igrejas evangélicas cresceram não porque atendem melhor os pobres, mas porque se organizaram de forma mais eficiente. O sucesso evangélico reflete uma estratégia de mercado superior. O modelo do templo de esquina venceu porque era mais barato e escalável, não necessariamente porque era mais compassivo.

Isso não significa, porém, que as igrejas evangélicas não cumpram papel social importante. Ainda que inexistam evidências causais sobre esse papel, vários estudos descritivos sugerem que essa função social existe, e nós não duvidamos disso. Por outro lado, os nossos resultados importam. A visão de que o avanço evangélico é “bom para os pobres” leva à ideia de que o crescimento religioso representa, em si, uma solução para problemas sociais.

Nossa análise indica que o que realmente explica a expansão é a capacidade de competir em mercados religiosos com benefícios sociais talvez como subprodutos –e não como motores centrais do fenômeno. Se quisermos entender o boom evangélico, precisamos olhar menos para a miséria e mais para como essas igrejas se organizaram para competir– e prevalecer–no mercado religioso brasileiro.

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