Medida vai favorecer desproporcionalmente igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais. Escrito por Fábio Miessi e Raphael Corbi

Integrante de igreja pentecostal segura a Bíblia durante culto em Mesquisa, no Rio de Janeiro – Reuters
As igrejas no Brasil transcendem sua função tradicional de espaços de fé, desempenhando papel relevante no apoio social, especialmente para comunidades vulneráveis. Elas oferecem suporte material e emocional, promovem educação e saúde por meio de projetos sociais e contribuem para a redução da violência com ações de mediação e reintegração. Um fator importante que explica o dinamismo persistente das organizações religiosas brasileiras são as isenções tributárias concedidas pelo Estado.
Atualmente, a Constituição garante imunidade tributária para templos religiosos, aplicando-se ao patrimônio e à renda gerada pelas atividades religiosas. Embora as estimativas do impacto desse benefício estejam bastante subestimadas, sabe-se que ele é relevante. De acordo com a Receita Federal, a renda das igrejas foi de R$ 24,2 bilhões em 2013, aproximadamente 0,5% do PIB. Isso dá uma ideia do que o governo deixa de arrecadar.
A PEC 5/2023 propõe ampliar essa isenção, incluindo impostos sobre a aquisição de insumos necessários às atividades-fim das igrejas e estende todos os benefícios às organizações assistenciais a elas vinculadas. Hoje, as igrejas não pagam IPVA sobre os automóveis que adquirem; com a nova proposta de emenda à Constituição, ficariam também isentas de impostos sobre toda a cadeia produtiva e sobre a venda desses bens.
Com base nos resultados da nossa pesquisa “Church Tax Exemption and Structure of Religious Markets: a Dynamic Structural Analysis”, a ser publicada no periódico American Economic Journal: Microeconomics, projetamos que essa política favorecerá desproporcionalmente igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais, aumentando sua expansão geográfica e resultando em uma sociedade mais evangélica e menos católica. A expansão da rede de templos fortalecerá ainda mais a participação de grupos evangélicos na política nacional, que frequentemente legislam em favor de suas agendas, incluindo a ampliação de benefícios tributários.
Essa dinâmica cria um ciclo vicioso: mais benefícios tributários geram mais igrejas, que ampliam sua influência política e obtêm novos privilégios fiscais. Esse movimento ultrapassa os limites do mercado religioso, impactando diretamente a política e a sociedade, ao atender interesses de grupos específicos. Apesar da relevância social da religião no Brasil, é crucial refletir sobre como essa tendência pode comprometer o pluralismo religioso e político, pilares fundamentais da democracia.
Em termos práticos, a ampliação da isenção tributária nos confronta com uma realidade incontornável: os recursos públicos são limitados. Quando o governo abre mão de uma receita, áreas cruciais, como saúde, educação e segurança, sofrem inevitavelmente com a redução de investimentos. Além disso, essa medida pode criar distorções e incentivos perversos. Não há risco de surgirem milhares de igrejas sem finalidade religiosa, criadas apenas para obter bens sem pagar impostos? Como garantir, em meio a esse aumento e a crescente pressão política, a fiscalização efetiva para que os benefícios sejam usados exclusivamente nas atividades-fim?
É imprescindível refletir cuidadosamente sobre os impactos reais das isenções tributárias concedidas indiscriminadamente a quaisquer setores da economia, incluindo o setor religioso. Sem uma avaliação rigorosa de impacto, corremos o risco de comprometer ainda mais as finanças públicas, distorcer a alocação de recursos na economia e comprometer princípios fundamentais da democracia.
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